Ainda o idiota

Este artigo foi publicado originalmente na revista Veja, edição 2111, 06/05/2009.
Maílson da Nóbrega é economista e ex-ministro da Fazenda do Brasil.
Um abraço a todos e boa leitura.

"Enquanto Galeano escrevia suas bobagens, surgiam estudos sérios para explicar por que a América Latina perdeu para os EUA e o Canadá o lugar de região mais rica das Américas"

Nada simboliza melhor o atraso mental de Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, do que o ato de presentear o presidente americano, Barack Obama, com o livro As Veias Abertas da América Latina na recente 5ª Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago. Como Chávez, uma multidão de latino-americanos se encantou com a obra do uruguaio Eduardo Galeano, publicada em 1971 e muito reeditada desde então.

Galeano tem uma resposta fácil (e equivocada) para o atraso relativo da América Latina: a exploração de suas riquezas pelos colonizadores espanhóis e portugueses, e depois pelos EUA. Como bem disse Reinaldo Azevedo na edição de VEJA da semana passada, "As Veias Abertas é um livro errado desde as primeiras letras".

Ideias como essa foram demolidas de forma bem-humorada por três intelectuais – o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, o cubano Carlos Alberto Montaner e o peruano Alvaro Vargas Llosa – no livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, de 1996. Roberto Campos prefaciou a edição brasileira. A obra de Galeano ganhou o epíteto de "bíblia do idiota".

Galeano repetiu Lenin na explicação que este deu para o fracasso da previsão de Marx sobre o colapso do capitalismo: somos pobres porque os ricos nos exploram. "Podemos ficar tranquilos: a culpa não é nossa", zombaram aqueles três em A Volta do Idiota, de 2007. As teses de Galeano "são ao mesmo tempo netas de Marx, filhas de Lenin e sobrinhas de Freud, graças a essa providencial transferência de culpa".

Enquanto Galeano escrevia suas bobagens, surgiam estudos sérios para explicar por que a América Latina perdeu para os EUA e o Canadá o lugar de região mais rica das Américas. Em 1880, a renda per capita do Brasil ainda era semelhante à americana. A mudança decorreu basicamente da qualidade das instituições, que era melhor nas ex-colônias inglesas.

A Nova Teoria Institucional, que daria o Prêmio Nobel de Economia a Ronald Coase (1991) e a Douglass North (1993), permite entender a ultrapassagem. Para North, nos EUA e no Canadá, herdeiros das tradições anglo-saxônicas, o respeito aos direitos de propriedade e aos contratos alinhou incentivos para que os empreendedores investissem. Criaram-se as condições para o crescimento acelerado. Na América Latina, a cultura e as instituições ibéricas eram pouco propícias ao desenvolvimento capitalista.

Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff mostraram que as minas de prata na América do Sul espanhola e o clima favorável ao cultivo da cana-de-açúcar no Brasil e nas colônias inglesas e espanholas do Caribe constituíram a base da prosperidade latino-americana entre os séculos XVI e XVIII. A mão de obra era escrava. A riqueza se concentrava nos grandes proprietários. Estão aí as raízes das nossas desigualdades sociais.

A América do Norte recebeu imigrantes artesãos e pequenos agricultores. Formou-se uma ampla classe média. A renda era mais bem distribuída. A religião protestante fomentou a educação ao estimular a leitura da Bíblia sem a intermediação de sacerdotes. A educação primária foi universalizada no século XIX. Em 1800, os EUA possuíam a população mais alfabetizada do mundo.

Segundo Engerman e Sokoloff, "os estudos mais recentes sobre o processo de industrialização nos EUA confirmam a hipótese de que as economias do Novo Mundo onde havia maior igualdade estavam mais bem posicionadas para promover o desenvolvimento". Na América Latina, vicejou o capitalismo de compadres, particularmente no bojo das políticas de substituição de importações. Privilégios, descaso com a educação e leniência com a inflação pioraram a concentração de renda.

Culpar a "espoliação imperialista" pela pobreza latino-americana é mistificação derivada de preguiça mental e cegueira ideológica. Os EUA têm defeitos, mas não o de terem enriquecido nutrindo-se das veias abertas da América Latina. Melhor explicação está nas instituições geradoras da democracia e do capitalismo vigoroso, que ampliaram o bem-estar e catapultaram o país ao posto de maior potência em pouco mais de um século.

Obama poderia oferecer a Chávez os dois livros sobre o idiota latino-americano. Não adiantaria muito, mas seria uma retribuição à altura.

Comentários

gabi disse…
somente os lideres dos países norte é que realmente se imporataram na educaçao e procuraram ser um pouco mais justos com seu povo, e o país cresceu. Os daqui o povo nao tinham visão, e ainda hoje nao tem, pois se tivessem saberiam que um pais que tem uma populaçao escolarizada cresce.
O que faltou foi organização e -pelo menos- um pouco de honestidade e conpromisso com país.
bruno riordan disse…
so os lideres dos paises da america do norte que realmente se importavam em ser mais justos e legalizados e esses pais tem um grande crescimento nessa questao os paises do nosso continente sulamericano nao tinham nenhuma visao do que era isso e ainda hoje nao tem pois se tivesse saberiam se o pais tivesse uma populaçao escolarizada o pais cresce cada vez mais o que faltou para o nosso pais foi organizaçao e um pouco mais de honestidade
Joyline M. 3ºB disse…
A pobreza latino-americana e a riqueza norte-americana são explicadas como resultantes da forma de colonização dos países: Católica (Portugal/Espanha)e Protestante (Inglaterra...). De fato, os diferenciais de cada uma foram decisivos na cultura de cada colônia. Por exemplo, com a crença calvinista, muitos norte-americanos se empenharam no trabalho remunerado para serem ricos, visto acreditarem a riqueza ser um indício da aprovação de Deus. Outro exemplo já citado é a intelectualidade, o hábito da leitura mesmo nas grandes massas. Este foi primeiro passo para os avanços em pesquisas e o desenvolvimento científico nas nações industrializadas, o que as torna hoje desenvolvidas.

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